O mundo real, o das fábricas e dos tascos, o das corridas em autocarros apinhados em plena pandemia e das refeições económicas de gordura com batata frita, o dos tostões contados e de meios cigarros fumados nos cinco minutos de descanso por turno, não é geralmente terreno fértil para o debate. É, em vez disso, palco de argumentações toscas e de imbecilidades gritadas para quem queira ouvir, sem qualquer carácter vinculativo. É o mundo em que “a minha opinião” é algo sagrado e que nada nem ninguém poderá ousar mudar, seja qual for o argumento, defendida de pés na parede e cabeça abaixada em preparação da investida. É o mundo em que “a minha opinião” pouco tem de própria, tratando-se antes do papaguear de chistes e soundbytes atirados à audiência em tom futeboleiro, sem qualquer carácter vinculativo, mas com aquela carga emocional que permite ao papagaio sublimar frustrações e culpar o outro, o que está em desvantagem, o que é minoritário, o que partilha outra tendência sexual, o que pratica outra religião. Esse mundo real é um charco eleitoral onde de cada vez que o lodo sobe, nele vem montado mais um sapo de louça.
Os interesses que por detrás da cortina subvencionam o sapo de louça sabem que nada existe de melhor do que remexer o lodo para descredibilizar a democracia. Assim, financiam directa e indirectamente as actividades de um partido racista e xenófobo, com um ideário fascista – tão fascista quanto o termo o permite. É dessa forma que, como se viu em tempos passados, a atenção é redirigida para o Outro como inimigo, em vez de se focar nos constantes atropelos a direitos, liberdades e garantias que os “tempos de crise” vêm a exigir, sempre em nome da segurança, da estabilidade, dos sacros indicadores económicos e, porque não, na preservação da cultura e dos costumes da “nação”. Só assim conseguem emergir do lodo enquanto salvadores do trabalhador e do povo, enquanto descartam qualquer assomo de pensamento crítico e de intelectualidade porque o que é preciso são “homens de coragem” que “dizem o que o povo pensa”. Esses interesses, longe de qualquer ideologia que não seja a capitalista, sempre encontraram a parceria ideal em fantoches como o sapo de louça. Viu-se isso com Salazar e Caetano, vê-se isso com Trump e Bolsonaro, e mais alguns que fizeram a escola que o sapo de louça segue tão bem.

Porque os media dependem, também eles, desses mesmos interesses, cavalgam a onda e, em vez de contextualizarem as imbecilidades que o sapo debita bocarra fora, limitam-se a propagá-las e a legitimá-las, vendendo-as como quem vende linkbaits. Suponho ser sintomático que, num instante, a actual conjuntura política portuguesa seja definida por quem está acima ou abaixo da linha de água do lodaçal do sapo de louça, fazendo dele a medida base do barómetro, quando na realidade ele está abaixo do grau zero – esse está bem representado pela direita de Rio e Chicão que sem vergonha alguma se encostam a um sapo de louça fascista, racista e xenófobo nessa nova e pragmática forma de fazer política, a de tentar vencer a qualquer custo. Estas duas personagens políticas não se coibiram de mandar às urtigas as matrizes ideológicas dos respectivos partidos – a social-democracia e democracia cristã – ao mesmo tempo que relativizam o fascismo que o sapo de louça defende, soletrando “democracia” entre duas lambidelas de beiça ao microfone, guardado por skinheads e adjuvado por militantes do ELP, MDLP e PNR, enquanto se encosta ele próprio à Le Pen. Por incrível que pareça, a degradação política existente transforma isto tudo na mais normal das situações.
Por tudo isto, é extremamente difícil conseguir debater com um sapo de louça desbocado e provocador, do alto da sua impunidade relativamente à corrupção em que se move ou à mensagem de ódio que transmite. Uma discussão exige pressupostos, e uma discussão com base na democracia exige que ambos os contendores se afirmem, antes de mais, defensores dos direitos humanos. Sim, a discussão de modelos políticos e económicos é possível e desejável, mas a colocação em causa do regime democrático ou a supressão de direitos de minorias não o é, não deveria ser permitida numa mesa democrática. Nem tão pouco a arenga em torno de entretimentos alheios ao tema em debate, do insulto despudorado, da inconsequência de bêbedo de tasco. Fosse eu político em debate com o sapo de louça, e deixá-lo-ia a falar sozinho de cada vez que o tivesse frente a mim, levantando-me da mesa, caminhando porta fora, e instando todos os restantes políticos do fórum a fazer o mesmo: aparecer, sentar, levantar e sair, deixando‑o a lamber a beiça sozinho.
Relembro Durruti: o fascismo não se discute. Destrói-se.