Há um sem número de possíveis histórias que vou apanhando no dia-a-dia que poderiam ser transformadas em algo que se lesse com algum interesse, soubesse eu fazê-lo. Tenho dezenas de personagens alinhavadas na minha cabeça, cada uma delas com os seus diferentes percursos marcados por amores, ódios, ou paixões das mais simples, como a de ver comboios a passar ou estudar o comportamento dos pássaros na calmaria entre tempestades, todas elas representando a complexidade de pessoas que, embora inexistentes enquanto indivíduo real, facilmente espelham traços de gente conhecida e, em último caso, de mim próprio. Deveria ser fácil transportá-las para o papel, mas a realidade ensinou-me que essa é uma tarefa para a qual é necessário algum génio, muito mais do que eu possuo, a par de uma resistência à frustração que o medo do ridículo causa, apagando parágrafo após parágrafo de gongorismos fastidiosos. E, enfim, é necessária capacidade de trabalho, coisa que a mim não me atingiu.

Recordo-me de escrever quase incessantemente. Pequenas histórias, notas sobre pessoas ou situações, tentativas de poema, ou mesmo desenhos rabiscados em qualquer suporte que encontrasse, fosse um guardanapo de papel ou uma carteira de fósforos, uma espécie de roteiro de um filme que ia fazendo desde que comecei a trabalhar no Porto. A gaveta da minha secretária tinha guardados, juntamente com uma colecção de bilhetes de concerto que diria bem recheada – e como eram bonitos os bilhetes dessa altura – umas centenas de papeis soltos e uns quantos cadernos de notas, todos eles feitos de 80 a 86, altura em que embarquei no comboio da tropa. Feitos, portanto, no fulgor da adolescência, o que talvez fossem diamantes em bruto. Quando regressei, ano e meio depois, a secretária ainda lá estava, a papelada é que não. “Deitei tudo fora, aquilo era só lixo”, foi a resposta do novo ocupante da mesa, resposta que provavelmente ditou esta minha mania de escrever e apagar.
Continuo a escrever as coisas que me aparecem e, com paciência, até as publico neste espaço. Muitas vezes tenho confessado essa espécie de narcisismo que faz com que pense que as palavras que escrevo poderão ser lidas como entretenimento, podendo mesmo chegar a causar efeito em alguém que as leia – se não causarem, de que servem? Mas a verdade é que continuo a guardá-las numa gaveta que, como esta, é regularmente esvaziada. Não sou, não serei nunca, como os que admiro, os que escrevem para serem lidos ou não, mas que o fazem sempre, sem medos, sem rodeios, e que guardam essas impressões como se guarda a vida passada que, sem esses registos, anos depois nada mais será do que uma narrativa ao sabor da conveniência do autor. Poderia acabar este parágrafo, o terceiro que desejo último de um texto que já vai longo para a maioria das paciências e boas vontades, dizendo que desta é que é, desta é que sai blog. Mas conheço-me bem. Não aposto nisso.